Dia 108
Os movimentos desajeitados dessas
criaturas, para mim, ainda são uma questão complicada de assimilar. Observo
Lewis com certa frequência todos os dias.
Os aparelhos circulatório e
respiratório dessas coisas não funcionam mais da mesma maneira do que quando
estavam vivos. Não há circulação de sangue pelo corpo. É nítido a olho nu
quando se vê um deles mais de perto. Os vasos e veias emergem da pele sem
nenhuma alteração nos desenhos e formas que apresentam. O sangue parece não ter
mais o mesmo papel, de levar oxigênio para o cérebro e nutrientes para os
demais órgãos e a musculatura. Parece não ter mais utilidade. Ou talvez outra
que eu ainda não faço ideia.
Na última sexta-feira (se não me
falha a memória, ou talvez eu tenha perdido a conta e a noção do tempo) amputei
um dos braços de Lewis. Foi preciso fazer isso para constatar mais algumas
coisas. Fiquei bastante perturbado com isso. Eu nunca tinha feito algo parecido
com tanta frieza desde o início de tudo. Sempre usei armas improvisadas e cada golpe
foi sempre durante algum contratempo ou durante alguma fuga, ou seja, no
“calor” de uma situação.
Ele não expressou sentir dor alguma.
Mas pra mim doeu. Doeu muito. Por mais que a situação não seja a mesma de
antes. Mesmo que agora não seja mais um humano. Foi muito complicado.
Fiz várias tentativas, o que me
deixou exausto e mentalmente abalado. Na primeira vez atraí-o para o gradeado e
esperei que atravessasse o braço para fora numa das tentativas que sempre tinha
de me alcançar. Quando passou o braço no vão das grades, não consegui ser
eficaz. Pelo contrário, foi o início de uma pequena longa batalha.
Protegi-me da melhor maneira
possível. Um par de luvas, óculos, blusa longa, máscara, etc. O menor contato
com material genético infectado podia me custar a vida.
Com um facão quase cego a única
coisa que consegui fazer foi um profundo e desajeitado corte. Acreditava que
pelo estado frágil da pele, carne e ossos, uma pancada certeira com a lâmina do
facão seria o suficiente. Estava enganado. Precisava antes de tudo quebrar o
braço dele no lugar do corte. Na altura do cotovelo para ser mais exato.
Foi uma exaustiva batalha. Um
pequeno “show de horrores” para ser mais sincero. Entre amarrá-lo pelo pescoço
na grade, puxar seu braço para fora, apoiá-lo entre as barras de sustentação,
golpeá-lo com uma marreta até quebrar e cortar o que sobrou da junta. Depois de
cerca de uma hora e meia, o antebraço esquerdo de Lewis jazia no chão do
cercado.
O sangue escuro e grosso jorrava a
cântaros por onde Lewis andava naquele pequeno espaço. O cheiro era medonho.
Deixei-o sangrando por algumas horas e voltei no dia seguinte. Um calafrio
inquietante subiu pela minha espinha dorsal. Foi o que eu precisava, ou melhor,
o que eu não queria saber. De certa forma aquilo me deixou ainda mais sem
esperanças. O desgraçado continuava andando inerte por todo o cercado. Nenhum
colapso, nenhuma crise, nenhuma consequência por causa da inacreditável
hemorragia provocada. O maldito continuava de pé. No fundo parecia rir da minha
cara enquanto tentava me alcançar pela grade.
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