segunda-feira, 20 de junho de 2016

Memorando de Vincent Willow - Parte 7


Dia 108

Os movimentos desajeitados dessas criaturas, para mim, ainda são uma questão complicada de assimilar. Observo Lewis com certa frequência todos os dias.

Os aparelhos circulatório e respiratório dessas coisas não funcionam mais da mesma maneira do que quando estavam vivos. Não há circulação de sangue pelo corpo. É nítido a olho nu quando se vê um deles mais de perto. Os vasos e veias emergem da pele sem nenhuma alteração nos desenhos e formas que apresentam. O sangue parece não ter mais o mesmo papel, de levar oxigênio para o cérebro e nutrientes para os demais órgãos e a musculatura. Parece não ter mais utilidade. Ou talvez outra que eu ainda não faço ideia.

Na última sexta-feira (se não me falha a memória, ou talvez eu tenha perdido a conta e a noção do tempo) amputei um dos braços de Lewis. Foi preciso fazer isso para constatar mais algumas coisas. Fiquei bastante perturbado com isso. Eu nunca tinha feito algo parecido com tanta frieza desde o início de tudo. Sempre usei armas improvisadas e cada golpe foi sempre durante algum contratempo ou durante alguma fuga, ou seja, no “calor” de uma situação.

Ele não expressou sentir dor alguma. Mas pra mim doeu. Doeu muito. Por mais que a situação não seja a mesma de antes. Mesmo que agora não seja mais um humano. Foi muito complicado.

Fiz várias tentativas, o que me deixou exausto e mentalmente abalado. Na primeira vez atraí-o para o gradeado e esperei que atravessasse o braço para fora numa das tentativas que sempre tinha de me alcançar. Quando passou o braço no vão das grades, não consegui ser eficaz. Pelo contrário, foi o início de uma pequena longa batalha.

Protegi-me da melhor maneira possível. Um par de luvas, óculos, blusa longa, máscara, etc. O menor contato com material genético infectado podia me custar a vida.

Com um facão quase cego a única coisa que consegui fazer foi um profundo e desajeitado corte. Acreditava que pelo estado frágil da pele, carne e ossos, uma pancada certeira com a lâmina do facão seria o suficiente. Estava enganado. Precisava antes de tudo quebrar o braço dele no lugar do corte. Na altura do cotovelo para ser mais exato.

Foi uma exaustiva batalha. Um pequeno “show de horrores” para ser mais sincero. Entre amarrá-lo pelo pescoço na grade, puxar seu braço para fora, apoiá-lo entre as barras de sustentação, golpeá-lo com uma marreta até quebrar e cortar o que sobrou da junta. Depois de cerca de uma hora e meia, o antebraço esquerdo de Lewis jazia no chão do cercado.


O sangue escuro e grosso jorrava a cântaros por onde Lewis andava naquele pequeno espaço. O cheiro era medonho. Deixei-o sangrando por algumas horas e voltei no dia seguinte. Um calafrio inquietante subiu pela minha espinha dorsal. Foi o que eu precisava, ou melhor, o que eu não queria saber. De certa forma aquilo me deixou ainda mais sem esperanças. O desgraçado continuava andando inerte por todo o cercado. Nenhum colapso, nenhuma crise, nenhuma consequência por causa da inacreditável hemorragia provocada. O maldito continuava de pé. No fundo parecia rir da minha cara enquanto tentava me alcançar pela grade.


.......

Memorando de Vincent Willow - Parte 6


Dia 95


Não tenho mais vontade de escrever nem estudar. Sinto-me indisposto com frequência. Temo que eu não esteja muito bem.